INTRODUÇÃO
Para que seja possível avaliar exames de artroplastia de quadril (prótese de quadril), é necessário ter conhecimento sobre os tipos de prótese, as formas de fixação dos componentes protéticos, as principais complicações e sobre os diferentes parâmetros qualitativos e quantitativos que precisam ser avaliados em exames de imagem. Lembrando que este artigo é uma revisão intencionalmente simplificada.
ARTROPLASTIA TOTAL x PARCIAL
Artroplastia PARCIAL
Quando há preservação do acetábulo, ou seja, só há substituição de elementos do fêmur proximal. Geralmente indicada para patologias do fêmur proximal (articulação preservada), como uma fratura da cabeça femoral.
Existem dois subtipos: (a) unipolar, onde há apenas um componente que se articula com o acetábulo nativo, e (b) bipolar, onde o componente femoral é articulado com uma cabeça de metal que faz a interface com o acetábulo nativo.
Obs.: Atenção especial para uma artroplastia parcial especial, chamada resurfacing, na qual apenas a superfície danificada da cabeça femoral é removida e substituída por um componente metálico: a cavidade medular da cabeça femoral, o colo femoral e o acetábulo não são substuídos.
Artroplastia TOTAL
Substituição tanto da cabeça femoral quanto da cavidade acetabular por componentes artificiais. Geralmente realizada em casos onde há patologias da articulação, como artrose avançada.
MECANISMOS DE FIXAÇÃO
Cimentada
Neste tipo de fixação, os componentes protéticos são fixados ao osso usando um cimento acrílico especializado, geralmente uma mistura de polimetilmetacrilato (PMMA) e monômero de metilmetacrilato (MMA). Este cimento tem propriedade termoendurecível, endurecendo quando exposto a certas condições, além de ser misturado com bário ou zircônio para torná-lo radiopaco . O cimento é utilizado para preencher o espaço entre o osso e o componente protético, sendo geralmente utilizado em pacientes idosos ou com osteoporose, onde a qualidade do osso pode estar comprometida.
Não cimentada
Utilização utilizado um mecanismo chamado press fit (fixação por pressão), onde uma prótese superdimensionada é colocada na cavidade óssea, gerando um mecanismo de “pressão”. Além disso, os componentes são projetados com um material áspero/poroso para permitir o crescimento ósseo ao redor e facilitar a integração óssea. Este método é preferido em pacientes mais jovens e com boa qualidade óssea, pois promove a osteointegração e pode resultar em uma fixação mais duradoura.
Fixação Híbrida
Combina elementos do modelo cimentado e do não cimentado, podendo ser escolhido em casos onde a qualidade óssea difere entre as partes acetabular e femoral, maximizando os benefícios de cada tipo de fixação.
AVALIAÇÃO POR IMAGEM
Radiografia da Bacia em AP
- Leg length ⇨ para avaliar este parâmetro, é realizado um traço linear entre a margem inferior de ambas as cavidades acetabulares (linha A) e medida a sua distância com uma linha traçada paralela ao solo ao nível do respectivo trocanter menor (linha B). Em geral, uma diferença entre os lados de até 1,0 cm é considerada aceitável.
- Centro de rotação horizontal ⇨ É a distância entre o centro da cabeça femoral e o “teardrop shadow” (margem lateral da lágrima de Köhler). Idealmente, essa distância deve ser semelhante entre os dois lados, pois um excesso pode aumentar o risco de deslocamento da prótese e causar alterações na marcha.
- Centro de rotação vertical ⇨ É a distância entre o centro da cabeça femoral e a linha da tuberosidade isquiática. Idealmente, o centro de rotação vertical deve ser semelhante ao lado saudável.
- Inclinação acetabular ⇨ É o ângulo entre a linha das tuberosidades isquiáticas e uma linha que passa pela margem articulada do componente acetabular da prótese. Um ângulo normal é entre 30º-50º; se <30º pode causar limitação de abdução; se >50º tem mais risco de luxação.
- Posicionamento da haste femoral ⇨ Idealmente, o componente femoral deve estar alinhado com o eixo longitudinal do fêmur. Em alguns casos, o desalinhamento em varo pode levar ao insucesso da artroplastia. Uma consideração especial é para a artroplastia do tipo resurfacing, que deve ter um leve alinhamento em valgo, aproximadamente entre 5-10º.
- Espessura da capa de cimento ⇨ Não há consenso sobre a espessura exata de cimento entre as diferentes interfaces, mas em geral uma espessura de 2-3 mm tem demonstrado bons resultados a longo prazo. Devemos procurar minuciosamente por irregularidades ou “lucências” nas interfaces cimentadas ou peri-protéticas, usando modelos de relato como as zonas de Charnley-Delee (para componente acetabular ) e Gruen (para componente femoral).
Radiografia da bacia em perfil
- Anteversão acetabular ⇨ Avaliada em incidência lateral com o raio incidindo medialmente. Definida como o ângulo entre o eixo acetabular e uma linha que representaria a orientação de um corte coronal, com valor normal entre 5-25º. Uma retroversão do acetábulo predispõe ao deslocamento da prótese. É importante prestar atenção ao posicionamento durante a aquisição da imagem, pois uma rotação da coxa ou da pelve pode influenciar no ângulo obtido.
COMPLICAÇÕES
Podemos dividir em dois períodos, complicações perioperatórias e complicações de médio e longo prazo, cada uma com suas particularidades.
Pós-operatório < 6 semanas
- Fratura intraoperatória ⇨ + freq. no fêmur e com fixação cimentada
- Lesão neurovascular (1 a 2%) ⇨ + comum no n. ciático, mas também no cutâneo femoral lateral, obturatório, femoral e glúteo superior
- Discrepância de comprimento entre os MMII ⇨ assimetria de tamanho entre os membros inferiores >1,0 cm (ver leg length acima).
- Infecção ⇨ partes moles e/ou pioartrite
- TVP
- Síndrome da implantação do cimento ósseo ⇨ diagnóstico clínico; complicação rara, mas que pode ser fatal, relacionada ao uso do cimento de polimetilacrilato. É composta por sinais clínicos como hipotensão, hipóxia, sintomas neurológicos e arritmias cardíacas.
Pós-operatório > 6 semanas
- Falência do material implantado
- Soltura ⇨ indicação mais comum de revisão de prótese. Maioria com sintomas.
- Diagnóstico: migração / inclinação do componente
- Migração cranial da taça acetabular
- Abaixamento ( >1 cm) ou inclinação em varo da haste femoral
- Sinal indireto: radiolucência ou ↑T2 > 2mm na interface (prótese-osso, prótese-cimento ou cimento-osso), principalmente se progredindo
- Obs.: zonas 1 e 7 do fêmur, e I do acetábulo podem ter radiolucências < 2 mm sem significado.
- Diagnóstico: migração / inclinação do componente
- Desgaste
- Fratura de componente da prótese ⇨ fraturas nos componentes da prótese, mais comuns no componente femoral, representando “metal-fatigue stress”. Fatores de risco incluem IMC elevado, prótese com posicionamento atípico, osteoporose, idade avançada e atividades físicas de alto impacto.
- Luxação
- Fraturas ósseas periprotéticas ⇨ qualquer fratura que ocorre ao redor da prótese, sendo mais comum ao redor do componente femoral. Pode ser intra/ perioperatória ou a médio/longo prazo. Para melhor sistematização, usa-se a classificação de Vancouver, que leva em consideração a topografia, estabilidade da prótese e perda óssea subjacente.
- Vancouver A: Fraturas na região trocantérica, subdivididas em AG (trocânter maior) e AL (trocânter menor).
- Vancouver B: Fraturas ao longo do componente femoral, logo abaixo do trocânter menor até 4 cm abaixo da ponta inferior do implante femoral. Subdividida em B1 (fratura estável), B2 (fratura instável) e B3 (significativa perda óssea adjacente).
- Vancouver C: Fraturas que ocorrem mais de 4 cm abaixo da ponta inferior do componente femoral.
- Reação a partículas de polietileno e/ou metal, divididos nos tipos abaixo que PODEM COEXISTIR:
- Reação a partículas de POLIETILENO ⇨ Doença de partículas (sinovite induzida por debris de polietileno)
- Atrito de implantes de metal-polietileno e cerâmica-polietileno
- + comum em próteses não cimentadas, 1 a 5 anos após cirurgia
- Mediada por histiócitos ⇨ lesões granulomatosas
- Derrame articular com debris com sinal intermediário (≈ músculo)
- LEVE espessamento sinovial
- +/- áreas líticas de osteólise bem delimitadas contendo debris
- Progressão para soltura e/ou fratura
- Reação a partículas de METAL ⇨ atrito de implantes de metal-metal (39% – 66%) ou corrosão nas junções de próteses modulares (mesmo não sendo metal-metal). Cobalto e crômo. Classificação histológica de gravidade: ALVAL (lesão linfocitária asséptica associada a vasculite). Geralmente assintomáticos, mas pode haver dor local e/ou sintomas sistêmicos (desconforto epigástrico, ansiedade, depressão, cardiomiopatia, hipotireoidismo, perda auditiva)
- Metalose
- Causada por debris metálicos maiores (implantes metal-metal) ⇨ mediada principalmente por macrófagos ⇨ ALVAL mais “leve”
- Sinóvia pouco espessada e com marcado ↓ sinal
- Derrame articular fluido ou com debris de ↓ sinal
- +/- áreas de osteólise semelhantes à sinovite por Polietileno ⇨ progressão para soltura e/ou fratura
- Reação tecidual adversa
- Partículas metálicas menores (corrosão nas junções) ⇨ reação hipersensibilidade tipo IV por linfócitos e macrófagos ⇨ ALVAL maior
- Sinóvia bastante espessada ( > 7 mm) +/- destruição de partes moles adjacentes
- Derrame fluido, ou com debris, ou pseudotumoral (aspecto “sólido”)
- Metalose
- Reação a partículas de POLIETILENO ⇨ Doença de partículas (sinovite induzida por debris de polietileno)
- Ossificação heterotópica ⇨ Complicação comum (cerca de 30% das artroplastias), definida como a formação de uma estrutura com matriz osteóide fora do local devido. Pode causar dor ou perda de amplitude de movimento. A classificação de Brooker permite graduar o grau de ossificação.
MISCELÂNIA
- Spot welding ⇨ Formação óssea na superfície endosteal que entra em contato com a superfície metálica da prótese, mais comum em componentes não cimentados. Alguns autores consideram como sinal de estabilidade da implantação da prótese.
- Stress shielding ⇨ Resultado da alteração na distribuição mecânica do peso após a artroplastia, que passa a ser depositada na diáfise femoral proximal, gerando reabsorção óssea local (manifestada como área radiolucente), geralmente observado na zona 1 de Gruen, podendo ser acompanhada de hipertrofia na zona 6/7 de Gruen. Alguns autores consideram como um achado sugestivo de estabilidade, mas é importante não confundir com complicação/soltura
- Pedestal ósseo ⇨ Formação esclerótica na ponta da porção intramedular mais distal da haste femoral. Este achado é inespecífico e não foi possível estabelecer uma relação com soltura da prótese.
- Desgaste linear ⇨ Entre as superfícies do ponto de articulação da prótese (entre o componente femoral e o componente acetabular), pode haver um material de consistência menos rígida que faz essa interface, geralmente um composto de polietileno. Com o tempo, esse composto pode se desgastar e ficar mais afilado em uma parte específica, gerando uma descentralização da cabeça metálica do componente femoral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- DARGEL, Jens et al. Dislocation following total hip replacement. Deutsches Ärzteblatt International, v. 111, n. 51-52, p. 884, 2014. DOI: 10.3238/arztebl.2014.0884
- SPINARELLI, A. et al. Heterotopic ossification after total hip arthroplasty: our experience. Musculoskeletal surgery, v. 95, p. 1-5, 2011.
- Radiology Assistant: radiologyassistant.nl/musculoskeletal/hip/arthroplasty
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- Orthobullets: orthobullets.com/recon/5013/tha-periprosthetic-fracture
- EPOS: epos.myesr.org/posterimage/esr/ecr2020/154974/mediagallery/848087