CONCEITOS PRINCIPAIS
- A herniação paradoxal, também chamada de síndrome da trefina ou sinking skin flap syndrome, é uma complicação rara e potencialmente fatal que pode ocorrer após uma craniectomia descompressiva.
- Caracteriza-se pelo deslocamento do cérebro na direção oposta ao local da craniectomia, geralmente devido à hipotensão intracraniana. Este fenômeno pode ser precipitado por procedimentos que reduzem a pressão do líquido cefalorraquidiano (LCR), como punção lombar, drenagem de higromas subdurais ou derivação ventriculoperitoneal.
- Os principais achados de imagem incluem deslocamento da linha média, herniação transtentorial e afundamento do retalho cutâneo sobre o defeito craniano.
- O tratamento envolve medidas emergenciais como reidratação intravenosa, posicionamento em Trendelenburg e, em casos refratários, cranioplastia de emergência.
- O prognóstico pode ser favorável se a condição for tratada prontamente, com muitos pacientes apresentando boa recuperação neurológica.
EPIDEMIOLOGIA
A incidência dessa condição varia conforme os procedimentos subsequentes realizados e o tempo decorrido desde a craniectomia.
Um estudo revisou os registros de 205 pacientes que foram submetidos a craniectomia descompressiva devido a trauma craniano. Entre esses pacientes, a incidência de herniação paradoxal foi de 20% (2 de 10 pacientes) após punção lombar realizada um mês ou mais após a craniectomia, e de 30% (3 de 10 pacientes) após a colocação de uma derivação ventriculoperitoneal. Esses dados sugerem que a realização de procedimentos como punção lombar ou derivação ventriculoperitoneal em pacientes que passaram por craniectomia descompressiva pode aumentar significativamente o risco de herniação paradoxal.
Outro estudo retrospectivo com 429 pacientes submetidos a craniectomia descompressiva encontrou uma taxa de herniação paradoxal de aproximadamente 3%. Este estudo também identificou fatores de risco independentes para a herniação paradoxal, incluindo ventriculostomia externa, punção lombar e drenagem lombar contínua.
Portanto, a incidência de hernação paradoxal após craniectomia descompressiva pode variar de 3% a 30%, dependendo dos procedimentos subsequentes e do tempo decorrido desde a cirurgia inicial. É crucial monitorar esses pacientes de perto e considerar os riscos associados a procedimentos adicionais, como punção lombar e derivação ventriculoperitoneal, especialmente após o primeiro mês da craniectomia.
CLÍNICA
Extremamente variável, tanto podendo ser assintomático como sintomático. A pele afundada na região da craniectomia é o principal sinal. Entre os sintomas, o principal é cefaléia ortostática grave. Convulsões, déficits focais, alterações mentais podem ocorrer antes da deterioração neurológica que pode levar ao coma e morte.
FISIOPATOLOGIA
A ausência do osso na área da craniectomia expõe o cérebro à pressão atmosférica. Quando ocorre um desequilíbrio (punção lombar, por exemplo) e a pressão atmosférica excede a pressão intracraniana, temos o deslocamento das estruturas empurradas pela atmosfera.
Fatores de risco
Os fatores de risco mais comuns para a hernação paradoxal após uma craniectomia descompressiva incluem:
- Ventriculostomia externa: A colocação de um dreno ventricular externo pode aumentar o risco de hernação paradoxal devido à redução da pressão intracraniana.
- Punção lombar: A realização de punção lombar pode precipitar a hernação paradoxal ao diminuir a pressão do líquido cefalorraquidiano, especialmente em pacientes que já passaram por craniectomia descompressiva.
- Drenagem lombar contínua: Similar à punção lombar, a drenagem contínua do líquido cefalorraquidiano pode levar a uma redução significativa da pressão intracraniana, aumentando o risco de hernação paradoxal.
- Derivação ventriculoperitoneal: A colocação de uma derivação ventriculoperitoneal também está associada a um risco aumentado de hernação paradoxal, devido à drenagem contínua do líquido cefalorraquidiano.
Esses procedimentos devem ser realizados com cautela em pacientes que passaram por craniectomia descompressiva, e é essencial monitorar esses pacientes de perto para sinais de hernação paradoxal.
Prevenção
Para reduzir o risco de herniação paradoxal após uma craniectomia descompressiva, várias medidas preventivas são recomendadas:
- Evitar punção lombar: A punção lombar pode precipitar a herniação paradoxal ao diminuir a pressão do líquido cefalorraquidiano (LCR). Se for absolutamente necessária, deve-se drenar apenas pequenos volumes de LCR.
- Monitoramento da pressão intracraniana (PIC): A monitorização contínua da PIC pode ajudar a identificar e tratar elevações da pressão intracraniana, prevenindo complicações.
- Posicionamento do paciente: Em casos de suspeita de herniação paradoxal, colocar o paciente na posição de Trendelenburg (cabeça mais baixa que os pés) pode ser benéfico.
- Reidratação rápida: A administração rápida de fluidos intravenosos pode ajudar a restaurar a pressão intracraniana e aliviar os sintomas de herniação paradoxal.
- Cranioplastia precoce: Realizar a cranioplastia assim que o cérebro estiver relaxado pode reduzir o risco de complicações tardias, incluindo a herniação paradoxal.
- Evitar drenagem lombar contínua: A drenagem contínua de LCR deve ser evitada ou realizada com extrema cautela, pois pode levar a uma redução significativa da pressão intracraniana.
IMAGEM
Extensa craniectomia com afundamento do retalho cutâneo em direção ao encéfalo (concavidade) associada a deslocamento das estruturas encefálicas com consequente compressão ventricular, desvio da linha média e possíveis herniações cerebrais (subfalcina e transtentorial).
TRATAMENTO
O tratamento da herniação paradoxal após craniectomia descompressiva é uma emergência médica que requer intervenções rápidas e eficazes. As principais abordagens terapêuticas incluem:
- Reidratação intravenosa rápida: A administração de fluidos intravenosos pode ajudar a restaurar a pressão intracraniana e aliviar os sintomas de herniação paradoxal.
- Posicionamento em Trendelenburg: Colocar o paciente na posição de Trendelenburg (cabeça mais baixa que os pés) pode ajudar a aumentar a pressão intracraniana e reduzir o deslocamento cerebral.
- Descontinuação da drenagem de líquido cefalorraquidiano (LCR): Se o paciente estiver com drenagem de LCR, como uma derivação ventriculoperitoneal ou drenagem lombar, a interrupção imediata dessa drenagem é crucial para evitar a redução adicional da pressão intracraniana.
- Cranioplastia de emergência: Em casos onde as medidas conservadoras falham, a realização de uma cranioplastia de emergência pode ser necessária para corrigir a herniação paradoxal e estabilizar a pressão intracraniana.
PROGNÓSTICO
O prognóstico para pacientes que desenvolvem herniação paradoxal após craniectomia descompressiva pode ser surpreendentemente favorável se a condição for tratada prontamente. Em um estudo retrospectivo com 429 pacientes, todos os 13 pacientes que desenvolveram herniação paradoxal sobreviveram além de seis meses, e apresentaram uma pontuação significativamente melhor na Escala de Resultados de Glasgow (GOS) em comparação com aqueles que não desenvolveram a condição. Isso sugere que, embora a herniação paradoxal seja uma complicação grave, a intervenção rápida e adequada pode resultar em desfechos positivos.
Portanto, a herniação paradoxal deve ser gerida de forma agressiva e imediata para otimizar os resultados clínicos.
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TC (janela óssea) no plano axial mostrando extensa craniectomia à direita associada a afundamento da pele (concavidade).

TC (janela de parênquima) no plano axial mostrando deslocamento das estruturas encefálicas às custas da pressão atmosférica com consequente compressão ventricular e desvio contralateral da linha média para esquerda.