PONTOS IMPORTANTES
- Doença hereditária rara ⇨ disfunção metabólica e desregulação do fosfato
- Calcificações periarticulares multiloculares (não é ossificação) formando massa de partes moles calcificadas, sem componentes sólidos não calcificados.
- +/- componentes císticos com níveis cálcicos.
INTRODUÇÃO
Calcinose tumoral, também conhecida como doença de Teutschlaender, é uma condição familiar rara caracterizada por massas periarticulares indolores. O termo deve ser estritamente usado para se referir a uma doença causada por uma disfunção metabólica hereditária da regulação do fosfato associada à calcinose periarticular maciça e não deve ser usado para se referir de forma genérica à calcificações de partes moles.
EPIDEMIOLOGIA
- Afeta predominantemente jovens negros
- ♂ = ♀
CLÍNICA
A maioria dos pacientes apresenta nódulos adjacentes às articulações. Eles geralmente são indolores, mas alguns pacientes descrevem dor e sensibilidade. Os sintomas podem surgir secundariamente ao efeito de massa em estruturas adjacentes. Ocasionalmente, a pele sobrejacente pode ulcerar, levando à exsudação de um líquido gredoso. O envolvimento de grandes articulações é típico, embora o joelho raramente esteja envolvido. O osso subjacente é normal.
As massas calcificadas podem ser bastante grandes e continuar a aumentar com o tempo, raramente regredindo.
FISIOPATOLOGIA
Um terço dos casos é familiar (dominante autossômico) com proteína FGF23 anormal, e o cálcio sérico é normal (algumas fontes afirmam que a hiperfosfatemia é comum).
É caracterizada por grandes densidades de calcificação amorfa em partes moles periarticulares. Elas são separadas em lóbulos por septos fibrosos e podem demonstrar níveis de fluido/cálcio (leite de cálcio / cristais de hidroxiapatita em suspensão).
LOCALIZAÇÃO
O local mais comum de ocorrência são partes moles periarticulares, geralmente em bursas, tendões e ventres musculares. Os locais mais comuns são (em ordem decrescente de frequência):
- Quadril
- Cotovelo
- Ombro
- Pé
- Punho
Raramente, pode haver depósitos cálcicos intraósseos (medular óssea) ± reação periosteal.
Outros locais incomuns: pele, retina, polpa dos dentes, coluna
IMAGEM

Massa cística multiloculada com conteúdo cálcico em partes moles próximas à glenoumeral, com aspecto em “leite de cálcio” na TC e baixo sinal na RM devido ao conteúdo cálcico. Fonte: Skeletal Radiology, v. 48, n. 12, p. 1875–1890, 2019.
RX
A calcinose tumoral tem uma aparência típica em radiografias simples, com calcificação amorfa, multiloculada / multilobulada (“em forma de nuvem”) localizada numa distribuição periarticular.
TC
- A TC pode ser utilizada para delimitar melhor a massa calcificada.
- Não há erosão ou destruição óssea pelas massas de tecido mole adjacentes, que é outro achado distintivo da calcinose tumoral de outras patologias.
- Fase ativa: múltiplas pequenas áreas císticas com mineralização periférica, fenômeno de sedimentação com múltiplos níveis fluido-cálcio causados pela sedimentação do cálcio (sinal de sedimentação).
- Fase inativa: lóbulos sólidos de calcificação
RM
- Massa com sinal heterogêneo, alto em T2 e baixo em T1, com áreas calcificadas de baixo sinal em todas as sequências.
- Não há componentes sólidos não calcificados.
- Fase ativa: áreas císticas com hipersinal em T2 contendo níveis fluido-cálcio (baixo sinal no cálcio sedimentado), associadas a edema de partes moles adjacentes relacionado a reação de corpo estranho.
- Fase inativa: áreas de baixo sinal com pouco ou nenhum edema.
Cintilografia óssea
Hipercaptação nos locais de deposição de cálcio.

Massa cística multiloculada com conteúdo cálcico na topografia da bursa subacromial – subdeltoidea. Observe os múltiplos níveis líquido-cálcio conteúdo cálcico sedimentado. Fonte: radiopaedia.org.
HISTÓRIA E ETIMOLOGIA
A calcinose tumoral foi descrita pela primeira vez por Giard em 1898, seguida por um relatório de Duret em 1899. A partir de 1935, Otto Richard Teutschlaender (1874-1950), um patologista alemão, estudou essa condição e descreveu-a em várias publicações; daí o seu epônimo, que é amplamente encontrado na literatura europeia, mas desconhecido na literatura americana. Em 1943, o patologista cubano Alberto Inclan e colegas, desconhecendo as descobertas europeias, descreveram três casos e introduziram o termo calcinose tumoral para a entidade.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
- Hiperparatireoidismo: mais frequentemente em insuficiência renal crônica
- Não tem distribuição periarticular.
- Outros achados de hiperparatireoidismo, como áreas de reabsorção e tumores marrons.
- Doença de deposição de pirofosfato de cálcio (CPPD)
- Miosite ossificante
- Metaplasia óssea benigna reativa, com ossificação heterotópica muscular centrípeta, com formação de osso (ao invés de calcificaçã0), ou seja, com organização em osso cortical e medular.
- Massa de partes moles, benigna e autolimitada, formada por osso e cartilagem.
- Ossificação heterotópica e miosite ossificante são a mesma condição. O termo miosite ossificante é utilizado para ossificação heterotópica que ocorre no músculo. Ossificação heterotópica pode ocorrer também em outros tecidos de partes moles, incluindo fáscias (fasciíte ossificante), gordura (paniculite ossificante) e tendões. Além disso, a periostite florida e pseudotumor fibro-ósseo dos dedos são patologias com subtrato histológico similar que ocorrem no periosteo.
- Simula lesões neoplásicas agressivas, principalmente na fase inicial, quando ainda não tem calcificações.
- É uma lesão do tipo “don’t touch” ⇨ evitar biopsia durante o estágio inicial para evitar diagnósticos equivocados de tumor, pois nesta fase pode imitar sarcomas ⇨ controle evolutivo pode confirmar diagnóstico de miosite ossificante.
- Calcinose circunscrita
- Calcinose universalis
- Deposição de cálcio em forma de lâmina difusa envolvendo músculos, tecidos subcutâneos e planos fasciais
- Comumente associada a doenças do tecido conjuntivo ⇨ ⅓ dos casos associados a esclerodermia, dermatomiosite, polimiosite e LES.
- Síndrome leite-álcali
- Hipervitaminose D
- Calcinose de insuficiência renal crônica
- Aspecto de imagem similar à calcinose tumoral, também com distribuição periarticular
- Evidência radiográfica de reabsorção óssea
- História de IRC e alterações em exames laboratoriais típicas de IRC.
- Tendinite calcificada (calcária)
- Deposição de hidroxiapatita de cálcio dentro de tendões e bainhas tendíneas.
- Apresentação clínica ajuda na diferenciação.
- Osteocondromatose sinovial
- Sarcoma sinovial, osteossarcoma / condrossarcoma extraesquelético (de partes moles)
- Tem componentes sólidos não calcificados.
- Não é multifocal.
- Osteossarcoma parosteal
- Formação óssea bem organizada aderida à superfície do osso
- Padrão de zoneamento oposto à miosite ossificante ⇨ o osteossarcoma parosteal organiza o osso de forma centrífuga (primeiro no centro), ou seja, com osso periférico menos maduro.
- Mionecrose calcificada (ou calcificante)
- Complicação de mionecrose
- Gota tofácea
- Resulta de hiperuricemia sustentada ao longo de muitos anos.
- Tofos calcificados são tipicamente menos radiopacos; sem sedimentação
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COMO LAUDAR

RX do cotovelo em perfil. Massa multilobulada calcificada na topografia da bursa olecraneana.

RX bacia AP. Massas calcificadas lobuladas periarticulares próximo aos quadris.